Autoridade (Mandar ou Comanadar?)
O que é a autoridade? Existe diferença entre ela e o autoritarismo? Qual
foi a lição de Jesus sobre o assunto? A autoridade verdadeiramente nos
pertence? Será cobrado de nós, um dia, o uso que fazemos do nosso poder perante
os demais?
Uma das definições de autoridade
é: “Direito ou poder de mandar”. [1]
Todo agrupamento social – uma
nação, cidade, empresa, um grupo familiar, a própria Casa Espírita... –
necessita de um líder que exerça o poder com a finalidade de organizá-lo,
dirigi-lo e mantê-lo.
Porém, não é tão raro que o
direito de mandar fascine aquele que o possui, distorcendo sua capacidade de
pensar e agir, porque esse deslumbre faz com que o “poderoso”, intimamente, se
coloque num pedestal e olhe, de cima para baixo, todos aqueles que dele
dependem.
Analisando, historicamente, o uso da autoridade, por muito tempo
prevaleceu na sociedade humana - salvo algumas exceções atuais - o exercício do
poder contra a igualdade e a justiça, para a subordinação de indivíduos e
povos. Ocorreram, então, os mais variados desmandos através da tirania e da
opressão. E isso porque as diretrizes
sociais eram determinadas pelo indivíduo ou pelo povo mais forte, que
estabelecia as regras em função dos próprios interesses. Aos menos fortes, não
restava outra alternativa senão obedecer. O que vigorava, portanto, era a
autoridade caracterizada pelo comando absoluto e a obediência irrestrita. Quem
liderava não prestava contas senão aos seus superiores, se os tivesse, e sempre
tinha a razão perante os seus inferiores. Era o autoritarismo, o despotismo ou
o absolutismo.
O inconveniente, porém, é que, ainda hoje, prevalece esse tipo de
comportamento em certas criaturas. Em seu desequilíbrio e “sede” de poder,
impõem ordens e regras que, obedecidas passivamente, lhes trazem um enorme
prazer e satisfação. Mas, em virtude do medo de perderem o respeito, acreditam
que precisam ser temidas. E, para sustentarem o seu status de “poderosa”,
costumam adotar uma postura fria, rígida, arrogante, altiva, ameaçadora,
intransigente, intimidativa, enfim, de total desrespeito à pessoa do outro.
Compreensível se torna, assim, a
diferença entre a autoridade e o autoritarismo. A autoridade é a liderança
necessária, na qual se exerce o poder com o objetivo de gerenciar – organizar,
conduzir – o desenvolvimento e a harmonia do grupo. O autoritarismo se
caracteriza pela tirania e opressão, em que se pratica o comando com fins
egoísticos.
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Na questão 684 de O LIVRO DOS
ESPÍRITOS, Allan Kardec pergunta: “Que se deve pensar dos que abusam de sua
autoridade, impondo a seus inferiores excessivo trabalho (afazeres, tarefas e
exigências)?”
Resposta: “Isso é uma das piores
ações. Todo aquele que tem o poder de mandar é responsável pelo excesso de
trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo, transgride a
lei de Deus.” [2]
E essa subordinação da autoridade
terrestre perante uma autoridade maior encontra-se enfaticamente ilustrada por
uma passagem da vida do Cristo (Jo 19:10-11).
Diante de seu julgamento, Pilatos
diz a Jesus: "Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade
para crucificar?". E o Cristo lhe responde: "Nenhuma autoridade
teríeis sobre mim, se de cima não te fosse dada.” [3]
O próprio conceito de autoridade
diverge nos dois casos. Para Pilatos e para o mundo, a autoridade é o Estado, o
Chefe, o grupo que detém a força, faz as leis e impõe a ordem social. Mas, para
Jesus, esta é uma autoridade secundária, porque a que comanda realmente é a
autoridade da Lei de Deus, à qual todos estão igualmente sujeitos e que se
serve da autoridade humana como um instrumento. Ou seja, a verdadeira
autoridade não pertence aos indivíduos.
Elucida o Espírito Emmanuel: “É
justo, porém, salientar que a fortuna ou a autoridade são bens que detemos
provisoriamente na marcha comum e que, nos fundamentos substanciais da vida,
não nos pertencem.” [4]
A autoridade de Pilatos realmente
era grande. O destino dos homens, da região sob sua jurisdição, estava de fato
em suas mãos. Ele tinha pleno poder não apenas para governar a Judéia, mas para
atuar como um grande pretor, ou seja, um juiz que julgava os homens segundo o
direito romano. Para pequenas causas, designava outros pretores, mas as grandes
eram julgadas por ele mesmo. No caso em questão, esperava intimidar o condenado
com sua autoridade. Porém, Jesus o chocou, afirmando que esta não vinha de
Roma, mas do Alto. O Cristo até reconheceu a autoridade terrena de Pilatos, mas
não deixou de ressaltar que existe um poder no universo do qual emanam todos os
outros poderes.
Sendo assim, podemos afirmar que, através de Jesus, Deus estava
ensinando aos homens que o poder mundano vale bem pouco diante de Suas
determinações, e que o mais simples e humilde dos homens pode ser aquele de que
Ele se utiliza como Seu mensageiro.
Portanto, perante as leis de
Deus, o poder terrestre, seja ele exercido na área que for, é temporariamente
permitido. E o que é permitido, um dia, será cobrado. É este o ensinamento que
nos traz o EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO:
A autoridade, da mesma forma que a fortuna, é uma delegação da qual
serão pedidas contas àquele que dela se acha investido; não creiais que lhe ela
lhe seja ela dada para lhe proporcionar o vão prazer de comandar; nem, assim
como o creem falsamente a maioria dos poderosos da Terra, como um direito, uma
propriedade. Deus, entretanto, lhes prova suficientemente que não é nem uma nem
outra coisa, uma vez que lhas retira quando isso lhe apraz. Se fosse um
privilégio ligado à sua pessoa, ela seria inalienável. Ninguém pode, pois,
dizer que uma coisa lhe pertence, quando lhe pode ser tirada sem seu
consentimento. Deus dá a autoridade a título de missão ou de prova quando isso
lhe convém, e a retira da mesma forma.
Todo aquele que é depositário da
autoridade, de qualquer extensão que ela seja, desde o senhor sobre seu servo
até o soberano sobre seu povo, não deve se dissimular que tem encargo de almas;
ele responderá pela boa ou má direção que tiver dados aos seus subordinados, e
as faltas que estes poderão cometer, os vícios a que serão arrastados, em
consequência dessa direção ou de maus exemplos recairão sobre ele, enquanto que
recolherá os frutos da sua solicitude para conduzi-los ao bem. .
(...) Ele (Deus) perguntará àquele que possui uma autoridade qualquer:
Que uso fizeste dessa autoridade? Que mal detiveste? Que progresso fizeste? Se
eu te dei subordinados não foi para fazer deles escravos da tua vontade, nem os
instrumentos dóceis de teus caprichos e de tua cupidez; eu te fiz forte e
confiei-te, e te confiei os fracos para os sustentar e os ajudar a subir até
mim.
O superior, que está compenetrado
das palavras do Cristo, não despreza a nenhum daqueles que estão abaixo de si,
porque sabe que as distinções sociais nada instituem diante de Deus. [5]
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No entanto, existem muitos tipos
de poder: o físico, o político, o financeiro, o intelectual, o pessoal, o
espiritual, o moral...
Embora algumas pessoas o busquem em muitas de suas formas e expressões,
Jesus só estava interessado naquele que não se impõe pelas circunstâncias ou à
força, mas conquista-se. Esse é o verdadeiro poder, porque perdura.
E o Cristo possuía um poder
pessoal bastante intenso, porque influenciava as pessoas pela sua autoridade
moral – porque fundamentada no exemplo – e pela sabedoria de que era portador.
Detinha a capacidade única de transmitir confiança, sem ser confundido com um
homem arrogante com necessidade de exercer controle sobre os demais.
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO nos traz mais essas considerações
sobre aquele que usa de sua autoridade para contribuir com o desenvolvimento
alheio:
Se a ordem social colocou homens
sob a sua dependência, ele os trata com bondade e benevolência, porque são seus
iguais perante Deus; usa de sua autoridade para erguer-lhes o moral e não para
os esmagar com o seu orgulho; evita tudo o que poderia tornar a sua posição
subalterna mais penosa. [6]
Esse é o uso da autoridade de forma produtiva, eficiente e respeitosa,
porque firmeza, disciplina e ordem não são sinônimos de ditadura. A pessoa que
comanda – ou manda –, necessita construir a sua autoridade e poder de forma a
se tornar, pelo seu modo de ser e de agir, uma positiva referência aos demais.
Ou, segundo as palavras do próprio O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO: “O homem
não procura se elevar acima do homem, mas acima de si mesmo, aperfeiçoando-se.”
[7]
É fácil de testar se estamos na presença de uma pessoa com verdadeiro
poder pessoal. Diante dela não nos sentimos diminuídos ou intimidados, mas à
vontade para nos mostrarmos quem realmente somos, no que acreditamos, que
sentimentos alimentamos, na certeza de que não seremos criticados ou
menosprezados em seu julgamento. Era isso o ocorria com Jesus! Ele não
precisava que os outros se diminuíssem em sua presença; pelo contrário, eram as
pessoas que se sentiam agraciadas e agradecidas em seu contato com ele.
Com a Doutrina Espírita, podemos
aprender que, perante a eternidade, a única força que tem real valor é a
autoridade moral do Espírito, caracterizada pelo equilíbrio e elevação
conscienciais.
Silvia Helena Visnadi Pessenda
sivipessenda@uol.com.br
REFERENCIAS:
[1] MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo:
Companhia Melhoramentos, 1998.
[2] KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed.
Araras, SP: IDE, 1996.
[3] BÍBLIA. Português. Bíblia de
estudo Almeida. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
[4] EMMANUEL (espírito); XAVIER,
Francisco Cândido (psicografado por). Fonte viva. 12. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita
Brasileira. Cap. 60.
[5] KARDEC, Allan. O evangelho
segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa.
195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Cap. XVII. Item 9.
[6] Idem. Item 3.
[7] Idem. Capítulo III. Item 10.
NAZARETH, Joamar Zanolini. Um
desafio chamado família. 1. ed. Araguari, MG: Minas Editora, 1999.
CURY, Augusto Jorge. O mestre da vida: análise da inteligência de
Cristo. 30. ed. São Paulo: Academia de Inteligência, 2001.