Das Dificuldades do
Espiritismo Prático
Espiritismo Prático
Iniciemos
pela definição das palavras. Dificuldade
é substantivo feminino e indica qualidade de
difícil, ou
o que não é fácil,
obstáculo,
objeção, impedimento; prático
é adjetivo, concernente à prática
(ação ou efeito de praticar,
experiência, uso pelo
exercício, aplicação da teoria) ou
aquilo que
não se limita à teoria. E a
definição de
Espiritismo, dada pelo próprio Codificador é que O
Espiritismo é uma ciência que trata da natureza,
origem e
destino dos espíritos, bem como de suas
relações
com o mundo corporal (1).
Quando se fala em Espiritismo prático, logo pensa-se em prática mediúnica, mas a definição do próprio vocábulo prático, como acima indicado, refere-se também à aplicação da teoria, além da própria ação ou efeito de praticar. Ora, isto vai além da prática mediúnica, no intercâmbio com os espíritos, e alcança a questão da vivência prática dos ensinos espíritas. Não fica, portanto, limitado à prática da mera participação em fenômenos mediúnicos e sim abrange também a vivência ou prática de hábitos coerentes com a proposta espírita.
Podemos,
em conseqüência, analisar o assunto sob as duas
óticas.
No último parágrafo do item XII da Introdução de O Livro dos Espíritos (2), Kardec pondera sobre a questão das mistificações, entre erros e equívocos, como uma das dificuldades do Espiritismo prático. Aliás, todo aquele item da citada introdução aborda a questão, referindo-se a uma das dificuldades do intercâmbio mediúnico. E no segundo parágrafo do item XVII da mesma introdução (3), já ao final, comenta sobre o fim grande e útil dos estudos espíritas e mesmo do intercâmbio mediúnico: o do progresso individual e social. Aí já podemos enquadrar o assunto como uma das dificuldades do Espiritismo prático sob o ponto de vista moral. Ou, em outras palavras, o da vivência dos ensinos.
Podemos
concluir, pois, que o Espiritismo prático não
está
restrito à prática mediúnica, mas
abrange,
repetimos, a prática da vivência, muito
além da
prática mediúnica.
Aí
surge, com toda expressão, a importância dos
estudos
espíritas e dos núcleos inspirados pelo ideal
espírita, pois que fomentador dessa autêntica prática
do Espiritismo. Aliás, o
compromisso maior, prioritário, dos grupos
espíritas
é exatamente ensinar Espiritismo, propiciando estudo e
divulgação dos postulados espíritas. E
isto de
maneira sadia, didática, atraente, motivadora do interesse
pelo
estudo e vivência do Espiritismo.
Neste
ponto, podemos indagar quais são as dificuldades?
Sob o
ponto de vista do
intercâmbio mediúnico.
Se
analisadas do ponto de vista do intercâmbio
mediúnico
espírita, podemos relacionar a questão da
insegurança dos novatos; a ausência do estudo
doutrinário - sempre causadora de
distorções e
absurdos; a indisciplina na prática quanto a
horários e
assiduidade; a falta de comprometimento com a causa; a rivalidade entre
integrantes ou entre grupos; a priorização do
fenômeno em detrimento do estudo; o endeusamento de
médiuns e/ou dirigentes; a confiança cega nos
espíritos comunicantes; a obsessão; a
liderança
distorcida; as mistificações; a
introdução
de práticas estranhas, entre outras tantas dificuldades.
Claro
que variáveis de grupo para grupo, de médium para
médium, e até de região para
região. Mas
podemos asseverar que sempre fruto da ausência do estudo
doutrinário corretamente conduzido.
E onde
a
solução?
No
próprio estudo, em diálogos construtivos de
reuniões que visam exatamente esclarecer o participante de
reuniões mediúnicas. Para a prática
mediúnica este recurso do estudo é
insubstituível
e O Livro dos Médiuns
é
obra insuperável. Nele se encontram as diretrizes para a
correta
compreensão e prática do fenômeno.
Já na
Introdução da monumental obra, Kardec assinala
que "A
experiência nos confirma todos os dias, nesta
opinião, que
as dificuldades e as decepções, que se encontram
na
prática do Espiritismo, tem sua fonte na
ignorância dos
princípios desta ciência..."
(4).
Entre
capítulos importantes, destacamos aos leitores o
capítulo
XXIV (5), que trata da Identidade dos
Espíritos.
Exatamente no item 267 (em 26
princípios) Kardec enumera os meios de reconhecer a
qualidade
dos espíritos e no item 268 (em 28 questões),
traz
perguntas sobre a natureza e a identidade dos espíritos.
Notem
os
leitores que este é apenas um dos temas. Existem outras
dificuldades que o estudo pode dirimir. Destacamos os itens acima pela
importância didática do assunto e que muito pode
auxiliar
na superação de dificuldades e
decepções na
prática mediúnica. Sugerimos, pois, ao leitor,
com todo
empenho, a consulta a essas fontes, pois fica inviável a
transcrição neste pequeno espaço.
Também,
no capítulo XXVII da mesma obra (6), que trata Das
Contradições e das
Mistificações,
outro tema importante no rol das dificuldades, o estudioso e
pesquisador espírita poderá encontrar muitas
respostas.
Os itens 299 a 301 oferecem subsídios para troca de muitas
idéias e na superação de muitas
dificuldades.
Sob o
ponto de vista da
vivência espírita
Talvez
aqui
as dificuldades sejam maiores. No item anterior verificamos que o
estudo pode superar muitos desses obstáculos. Aqui,
porém, surge a questão da
modificação
interior de cada adepto espírita. É interessante
que a
postura aqui interfere no assunto tratado no item anterior. Pois
é exatamente a carência moral que
mantém o orgulho,
o egoísmo, a inveja, que muitas vezes pode estar trazendo
dificuldades para a prática do intercâmbio
propriamente
dito.
Mas,
sem
pensar agora na questão do intercâmbio e sim na
fundamental questão da vivência individual e
coletiva do
ensino espírita, verificamos que as dificuldades aqui
também são consideráveis.
Comparecem
a
inveja, o ciúme, a disputa, a maledicência e
outros
importantes inimigos da felicidade humana e da paz que se quer
construir.
Se
analisarmos qualquer instituição e solicitarmos
aos
presentes numa reunião de avaliação
dos problemas
que os estejam afetando, descobriremos que no fundo dos problemas
estão presentes, com toda a força, o orgulho e o
egoísmo. Também a inveja e o ciúme, a
imposição de idéias, o autoritarismo,
as
tentativas de domínio, o desrespeito às
diferenças, a ausência de solidariedade. Mas acima
de
tudo, a ausência da caridade, que segundo Jesus, é
a
indulgência, a benevolência, o perdão
(7).
Sentimentos sempre ausentes onde a irritação, a
impaciência, a crítica e demais defeitos morais
estão agindo.
É
aí que surgem as divisões, as
divergências.
E
podemos
perguntar novamente:
Onde a
solução?
Recorramos
à obra basilar do Espiritismo: O
Livro dos Espíritos.
Na
Conclusão, item IX, 4º parágrafo (8), o
Espírito Santo Agostinho indica que as
dissidências
são mais de forma que de fundo e que os espíritas
deverão unir-se no objetivo comum: o
amor de Deus e a
prática do bem. E
mais: o objetivo final
é um
só: fazer o bem. Na
mesma Conclusão, no item VII,
há ainda a classificação dos
verdadeiros adeptos
do Espiritismo e que são apresentados como
os que praticam
ou se esforçam por praticar essa moral.
Conclusão
Verifica-se,
portanto, que as dificuldades são oriundas da falta de
conhecimento (ausência do estudo) e da falta de
vivência
prática (ausência do esforço de melhora
individual).
O
Espiritismo
prático
está portanto muito mais na
vivência do comportamento espírita que na
prática
mediúnica, mas em ambos as dificuldades existem em
função das próprias dificuldades
humanas em agir
coerentemente com a teoria já a
disposição.
Na
prática mediúnica, quando inventamos ou quando
não
estudamos criamos dificuldades; na vivência quando
desprezamos o
aspecto principal, ou seja, o esforço do auto aprimoramento
moral, criamos as dificuldades todas que aí estão.
Estudando
o
Espiritismo e esforçando-nos por incorporá-lo ao
próprio comportamento será, pois, o caminho de
superação das dificuldades do espiritismo
prático.
Por
tudo
isto, a título de conclusão, sugerimos aos
leitores a
leitura reflexiva do item 350 (capítulo XXIX da Segunda
parte),
de O Livro dos
Médiuns (9), onde o
Codificador convida
as sociedades espíritas, composta naturalmente dos adeptos
do
Espiritismo, a se estenderem mãos fraternais e buscarem
viver o
ideal maior da Doutrina Espírita, ou seja, a
vivência da
união, da simpatia, da fraternidade recíprocas. E
aí estarão superadas as dificuldades do Espiritismo
prático.
(1)
em O Que
é o Espiritismo, 31ª edição
FEB, 1987, Rio
(RJ), Preâmbulo, página 50.
(2) página 38 da 78ª edição FEB, 1997, Rio (RJ), tradução de Guillon Ribeiro.
(3) página 46 da 78ª edição FEB, 1997, Rio (RJ), tradução de Guillon Ribeiro.
(4) 29ª edição IDE, 1987, Araras-SP, página 7, tradução Salvador Gentille.
(5) 29ª edição IDE, 1987, Araras-SP, página 294, tradução Salvador Gentille.
(6) 29ª edição IDE, 1987, Araras-SP, página 364, tradução Salvador Gentille
(7) Questão 886 de O Livro dos Espíritos.
(8) página 492 da 78ª edição FEB, 1997, Rio (RJ), tradução de Guillon Ribeiro.
(9) página 406 da 29ª edição IDE, nov/1993, tradução de Salvador Gentille.
(2) página 38 da 78ª edição FEB, 1997, Rio (RJ), tradução de Guillon Ribeiro.
(3) página 46 da 78ª edição FEB, 1997, Rio (RJ), tradução de Guillon Ribeiro.
(4) 29ª edição IDE, 1987, Araras-SP, página 7, tradução Salvador Gentille.
(5) 29ª edição IDE, 1987, Araras-SP, página 294, tradução Salvador Gentille.
(6) 29ª edição IDE, 1987, Araras-SP, página 364, tradução Salvador Gentille
(7) Questão 886 de O Livro dos Espíritos.
(8) página 492 da 78ª edição FEB, 1997, Rio (RJ), tradução de Guillon Ribeiro.
(9) página 406 da 29ª edição IDE, nov/1993, tradução de Salvador Gentille.
Artigo publicado
na revista REFORMADOR, de junho de 2003 e reproduzido com
autorização do autor.