Palavra derivada do grego euaggélion, o Evangelho significa “boa nova”’, ou, boa e feliz notícia, novidade fortunosa. E essa auspiciosa novidade tem a ver com os ensinamentos e exemplos de Jesus.
No início da Religião Cristã, a expressão “evangelho’’ era utilizada, portanto, em relação às palavras e aos atos de Jesus; referiu-se, depois, ao registro escrito que se fez de Seu ensino.Muito embora esse vocábulo apareça 75 vezes no Novo Testamento, ele forma um conjunto de quatro livros conhecidos como os Evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João.
Podem dividir-se em cinco partes as matérias contidas nos Evangelhos, as quais dizem respeito:
– aos atos comuns da vida do Cristo;
– aos milagres;
– às predições;
– às palavras que foram tomadas pela Igreja para fundamento de seus dogmas; e
– ao ensino moral. [1]
No entanto, o Espírito Emmanuel ressalta:
A grandeza da doutrina não reside na circunstância de o Evangelho ser de Marcos ou de Mateus, de Lucas ou de João; está na beleza imortal que se irradia de suas lições divinas, atravessando as idades e atraindo os corações. É que, portas adentro do coração, só a essência deve prevalecer para as almas. [2]
Em sua essência, o Evangelho representa o mais elevado código de conduta ética existente na humanidade. Fonte de preceitos morais, seu conteúdo nos aponta o caminho da sabedoria e da paz, do progresso espiritual, norteando nossa vida e aspirações. E sua observância seria suficiente para transformar nosso mundo num local de extrema prosperidade.
Para o Espírito Emmanuel, o Evangelho “é a revelação pela qual o Cristo nos entregou mais amplo conhecimento de Deus.” [3]
É, portanto, “mensagem de salvação, nunca de tormento.” [4]
O Evangelho e nós
Certa vez, perguntaram a Chico Xavier: “Qual a importância do Evangelho de Jesus para a Humanidade?”
E sua resposta foi a seguinte: “Creio que a importância do Evangelho de Jesus, em nossa evolução espiritual, é semelhante à importância do Sol na sustentação de nossa vida física.” [5]
Todos somos necessitados dos ensinamentos do Cristo. E quando tomamos contato com sua essência, o foco de nossos interesses e comportamento se altera substancialmente. E por quê? Simplesmente pelo fato de que seu exercício nos possibilita a plena conscientização dos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, condições imprescindíveis à correta e elevada convivência social.
O sentido profundo de todas as parábolas do Evangelho nos possibilita um contato mais direto com nosso próprio íntimo e com Deus, ou seja, conseguimos uma visão mais elevada do Criador, um refletir mais intenso da própria consciência e uma percepção mais ampliada do verdadeiro sentido da Vida.
Allan Kardec anota:
Para os homens, em particular, constitui aquele código [o Evangelho] uma regra de proceder que abrange todas as circunstâncias da vida privada e da vida pública, o princípio básico de todas as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça. É, finalmente e acima de tudo, o roteiro infalível para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do véu que nos oculta a vida futura. [6]
No entanto, muitos evitam tomar contato com o Evangelho, omitindo-se, assim, de agir em conformidade com os seus fundamentos. Outros já acreditam que a assídua frequência aos seus templos de fé seja suficiente para torná-los plenos de seu conteúdo; todavia, o Espírito André Luiz escreve que “o Evangelho é livro divino e, enquanto permanecemos na cegueira da vaidade e da ignorância, não nos expõe seus tesouros sagrados.” [7]
Este conjunto de livros necessita, portanto, ser conhecido, meditado e sentido, porque seu maior objetivo é nos renovar e aprimorar-nos intimamente.
Richard Simonetti enfatiza:
A leitura da Boa Nova não se destina ‘aos outros’. Deve falar à intimidade de nossa consciência. Não devemos usá-la para fiscalizar o semelhante e, sim, como orientação para nosso próprio comportamento.
(...) No Evangelho, encontramos sempre duas orientações precisas e inconfundíveis:
É preciso edificar o Bem.
É preciso eliminar o Mal.
Para sermos eficientes nesse empenho, é de fundamental importância ter sempre presente que:
No empenho do Bem, somos convidados a pensar no que falta no semelhante...
No combate ao Mal, devemos cogitar do que sobra em nós... [8]
Podemos afirmar que a mais consistente divulgação do Evangelho ocorre por meio de nossos atos e, ao aplicarmos suas lições, damos a mais perfeita demonstração de que as assimilamos. Devemos, portanto, pregá-lo muito mais através de nossos exemplos do que apenas com nossas palavras.
Ainda do Espírito Emmanuel: “A lição do Evangelho consola e esclarece, encoraja e honra aqueles que a recebem, mas, se não for usada, não adianta.” [9]
O Evangelho e o Espiritismo
“O Espiritismo cristão é a revivescência do Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo.” [10]
O Espiritismo não traz moral diferente da de Jesus, mas lança novo entendimento sobre Seus ensinos e é neles alicerçado.
Algumas lições do Cristo se apresentam de forma velada. Foram elas, então, explicadas pela Doutrina Espírita que, através de seus postulados, busca conscientizar o indivíduo:
– de sua essência imortal;
– da sua responsabilidade na construção do próprio futuro; e
– da presença constante do amparo divino em sua trajetória evolutiva.
Em 1864, Allan Kardec publicou O evangelho segundo o espiritismo (inicialmente com o título Imitação do evangelho), trazendo a explicação de vários preceitos morais deixados pelo Cristo, em consonância, porém, com o Espiritismo, bem como sua aplicação às diversas circunstâncias da vida.
A proposta dessa obra ainda continua sendo de grande importância pela profunda renovação moral que sugere. À época de seu lançamento, no entanto, ela representou uma completa reformulação dos conceitos cristãos vigentes, porque fez desaparecer as proibições e os pecados para fazer nascer a liberdade responsável.
O Espírito Emmanuel declara que:
tanto na mensagem do Evangelho, quanto na men¬sagem do Espiritismo, o que prevalece, acima de tudo, é a responsabilidade para cada um de nós.
Responsabilidade de sentir e pensar, de falar e fazer.” [11]
No labor da Doutrina, temos de convir que o Espiritismo é o Cristianismo redivivo pelo qual precisamos fornecer o testemunho da verdade e, dentro do nosso conceito de relatividade, todo o fundamento da verdade da Terra está em Jesus-Cristo. [12]
Em seu aspecto religioso, o Espiritismo é o próprio Cristianismo, mas apresentado em sua feição clara e simples, para que Jesus seja compreendido na essência de seus ensinamentos e exemplos.
No estudo concomitante da Doutrina e do Evangelho, temos a aquisição de conhecimentos aliada à sublimação dos sentimentos, porque a pessoa atenta à própria evangelização – ou seja, ao conhecimento e à vivência do Evangelho – está em constante busca de maiores níveis de excelência em sua moralidade e espiritualidade.
São palavras de Chico Xavier: “O Evangelho de Jesus, na Doutrina Espírita, representa uma luz a me mostrar a imensidade do esforço que tenho a fazer para melhorar-me.” [13]
Interpretação e análise do Evangelho
Também não se pode negar que os textos que nos chegaram foram vítimas de certas adulterações e adaptações, e que outros documentos, de origem verdadeira acerca do Cristo, foram destruídos por estudiosos e religiosos que deixaram passar para a posteridade somente os textos que lhes interessavam.
Entretanto, o Espírito André Luiz ressalta: “O Evangelho, em suas bases, guarda a beleza do primeiro dia. Sofisma algum conseguiu empanar o brilho de “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei...”. [14]
Por aquela época, era comum entre os israelitas, gregos, romanos e outros povos a vigência de parábolas, mitos e lendas. Então, como atesta o próprio Evangelho de Marcos (4:30-34), Jesus também se utilizou de histórias simbólicas e alegóricas para que as pessoas, além de se sentirem estimuladas a ouvi-lo, compreendessem de forma mais consistente o significado de seus ensinamentos. Através, portanto, das parábolas, Ele associava imagens da vida diária com princípios espirituais mais abstratos, de modo a facilitar sua aplicabilidade na vivência do cotidiano. Assim, “o que poderia apresentar-se complexo para as mentes de seus ouvintes, em se considerando a gravidade do tema, ele simplificava em narrações suaves e claras.” [15]
É preciso, porém, considerar que os preceitos morais constantes de Suas parábolas necessitam de interpretações adequadas ao nosso contexto. Muitas dessas histórias, se tomadas em seu sentido literal, se tornam inaplicáveis para nós, pois a cada tempo, o mundo se apresenta diferente.
Em virtude de os Evangelhos só terem surgido após sua morte, muitas palavras atribuídas a Jesus não condizem com sua forma superior e amorosa de transmitir orientações. Por outro lado, as várias traduções pelas quais esses livros passaram carregam distorções. Bem sabemos que determinada palavra em um idioma pode ter significado diverso em outro; também, dentro da mesma língua, pode esse termo mudar de sentido com o passar do tempo, influenciado pelos costumes vigentes. Sob esse aspecto, portanto, a tradução literal nem sempre é fiel ao significado que a palavra representava no texto original.
Exemplo típico se verifica com a palavra odiar: “Se alguém vem a mim e não odeia seu pai e sua mãe...” (Lc 25:27-33). Pode-se supor que Jesus a tivesse usado no sentido moderno do termo? Evidentemente que não!
Lícito é acreditar-se que, em casos como este, o fundo do seu pensamento não foi bem expresso, ou que o sentido primitivo, passando de uma língua para outra, há de ter experimentado alguma alteração. Basta que se haja cometido um erro uma única vez, para que os copiadores possam tê-lo repetido. Muitas das aberrações e contradições em certos trechos dos Evangelhos, em parte, podem ser creditadas às traduções e à ausência de vocábulos que expressassem de maneira adequada o que o Cristo pretendia afirmar.
Sendo assim, torna-se imprescindível o conhecimento do valor de muitas das palavras frequentemente empregadas nos Evangelhos, e que caracterizam o estado de costumes da sociedade judia daquela época, para não incorrermos no erro de interpretá-las, passados os séculos, segundo nossos hábitos e características.
A forma de identificação dos verdadeiros ensinamentos de Jesus deve alicerçar-se nos reais sentidos do que seja o amor, a justiça e a bondade divina. Tudo o que contradisser esses princípios necessitará, de nossa parte, de uma abordagem mais racional. No entanto, tais condições não nos devem desestimular do estudo dos textos evangélicos, mas, sim, nos induzir a uma formação mais profunda em sua temática.
Dessa forma, se ficarmos presos somente às palavras, sem buscar apreender o conteúdo mais profundo de Suas lições; se não meditarmos no que elas têm a ver conosco, dificilmente conseguiremos captar o pleno sentido da mensagem cristã. Tudo nos soará apenas como uma bela filosofia, sem aplicação prática, contudo.
Com isso, surge a necessidade de nos dedicarmos continuamente ao seu estudo, como bússola norteadora de mudanças imprescindíveis em nós, de modo a nos transformar em seres mais conscientes e elevados espiritualmente.
O Espírito Miramez enfatiza: “Ler o Evangelho superficialmente é o mesmo que comer um bom pedaço de bolo sem fome, perdendo o seu verdadeiro saber. Importa que o conheçamos em espírito e verdade, para o nosso próprio bem.” [16]
Para nós, o que deve vigorar, portanto, é a superioridade do Evangelho vivido sobre o Evangelho interpretado. Na prática, é mais fácil ler e julgar entender os ensinamentos de Jesus, do que exercitá-los e, realmente, assimilá-los no dia a dia, aprimorando nossas qualidades morais. Poucos, verdadeiramente, conhecem o poder transformador do Evangelho; talvez o conheçam na teoria, sem, no entanto, tê-lo provado na prática, pois a prática exige a ação de que a leitura prescinde.
“Os Evangelhos são o roteiro das almas, e é com a visão espiritual que devem ser lidos” [17]
REFERÊNCIAS
[1] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Introdução.
[2] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). A caminho da luz: história da civilização à luz do espiritismo. 29. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2002. Cap. XIV.
[3] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Seara dos médiuns. 5. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. III.
[4] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Renúncia. 5. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. III.
[5] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Entender conversando. Organização e Notas de Hércio Marcos Cintra Arantes. 8. ed. Araras: Ide Editora, 1995. p. 32
[6] [KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 195. ed. Araras, SP: IDE, 1996. Introdução.
[7] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Os mensageiros. 33. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1999. Cap. 11.
[8] SIMONETTI, Richard. Atravessando a Rua. 15. ed. Araras: Ide Editora, 1998. Cap. 4
[9] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Seara dos médiuns. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 72.
[10] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Missionários da luz. 31. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1999. Cap. 3.
[11] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Seara dos médiuns. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 31.
[12] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). O Consolador. 16. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1993. p. 210.
[13] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). Entender conversando. Organização e Notas de Hércio Marcos Cintra Arantes. 8. ed. Araras: Ide Editora, 1995. p. 88.
[14] ANDRÉ LUIZ (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). No mundo maior. 20. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira. Cap. 15.
[15] ÂNGELIS, Joanna de (espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). Diretrizes para o êxito. 2. ed. Salvador, BA: Livraria Espírita Alvorada, 2004. p. 184.
[16] MIRAMEZ (espírito); MAIA, João Nunes (psicografado por). Alguns ângulos dos ensinos do mestre. 5. ed. Belo Horizonte, MG: Editora Espírita Cristã Fonte Viva. p. 44.
[17] EMMANUEL (espírito); XAVIER, Francisco Cândido (psicografado por). O Consolador. 16. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1993. p. 321.