Pequeno vocabulário espírita
Nas cinco obras que deixou para a posteridade, Allan Kardec
estabeleceu os princípios básicos da doutrina espírita. Uma curiosa
mistura de conceitos religiosos com alguma terminologia científica do
século XIX. Conheça alguns dos principais termos do Espiritismo:
Universo
Criação de Deus. Todos os seres racionais e irracionais,
animados e inanimados fazem parte dele. Comporta vários mundos habitados
com seres em diferentes graus de evolução.
Deus
É considerado uma forma de inteligência suprema. Eterno, imutável, imaterial, justo, bom e onipotente.
Cristo
Ao contrário do que pregam a maior parte das religiões
cristãs, Jesus Cristo não é o filho de Deus, mas um espírito mais
evoluído. E um modelo para toda a humanidade.
Espíritos
Seres inteligentes da criação. São criados ignorantes e
evoluem ao longo de várias vidas até alcançarem a perfeição. Dividem-se
em “espíritos puros” (perfeição máxima), “bons espíritos” (em que
predomina o desejo do bem) e “espíritos imperfeitos” (caracterizados
pelo desejo do Mal).
Homem
Espírito encarnado em um corpo material.
Reencarnação
O espírito atravessa várias existências como encarnado. Cada uma delas é um estágio evolutivo rumo à perfeição.
Desencarnar
A morte (desencarnação) é encarada como apenas mais um
estágio da vida espiritual – considerada a verdadeira vida. Não é
compreendida como uma cisão definitiva entre as pessoas que se amam, mas
apenas uma separação temporária no mundo físico.
Livre-arbítrio
O homem tem várias escolhas na vida, mas responde por todas as suas ações.
Prece
A prece torna melhor o homem e é um ato de adoração a Deus.
Abençoado por Deus
Paradoxos do país tropical: a maior nação católica do mundo
(cerca de 125 milhões de praticantes, segundo o censo do IBGE) ofereceu,
desde os primórdios da colonização, um terreno fértil para a mistura de
credos e favoreceu o surgimento de modalidades de fé genuinamente
brasileiras. Religiões tão diversas quanto Candomblé, Catimbó,
Pajelança, Tambor de Mina, Umbanda e a face nacional do Espiritismo
formaram-se a partir de elementos comuns.
Uma das maiores explicações para o sincretismo brasileiro
estaria no Catolicismo legado pelos portugueses. A fé católica que veio
de além-mar é muito mais “íntima” e “pessoal” do que a de outros países
cristãos da Europa. Em Portugal e, em seguida, no Brasil, a relação dos
homens com Deus geralmente é filtrada pelo santo da predileção de cada
um. Antes de recorrer a Deus, portugueses e brasileiros vão bater na
porta do santo mais próximo. A profusão de anjos da guarda, de rezas
particulares e de toda uma sorte de benzeduras favoreceu a mescla de
elementos cristãos com outros originários dos rituais indígenas e
africanos.
Outro elemento do Catolicismo popular que iria ser combinado
com práticas religiosas nativas é a adoração aos mortos. Procissões
populares e mesmo o hábito de “conversar” ao pé do túmulo de um ente
querido favoreceram a penetração de credos em que o contato com o mundo
dos mortos é um dos elementos básicos – como o Espiritismo.
Assim como, no campo racial, a mestiçagem serviu para
anestesiar certos conflitos, a Igreja portuguesa soube incorporar – ou,
no mínimo estrategicamente, não quis condenar – algumas manifestações
religiosas inspiradas no Catolicismo que surgiram ao longo da história
brasileira. Festas populares repletas de elementos de outros credos,
divindades africanas que poderiam ser “permutadas” por equivalentes na
fé cristã (Oxalá Jovem = Menino Jesus) e o saudável livre-trânsito,
tipicamente nacional, entre mundos religiosos paralelos (milhões de
brasileiros comparecem às quartas no terreiro e aos domingos na missa),
forjaram a democracia religiosa nacional.
“O Catolicismo no Brasil sempre favoreceu a mistura”, diz a
médica e pesquisadora Eneida D. Gaspar, autora do Guia de Religiões
Populares do Brasil. Eneida afirma que foi graças a essa postura mais
flexível da Igreja que religiões como Umbanda – uma mistura de elementos
cristãos, espíritas e africanos – ganharam forma no início do século
XX.
Mas nem tudo são flores na trajetória das religiões
brasileiras. A maior parte delas foi condenada no início justamente
porque apresentava forte influência africana. Terreiros de Candomblé
eram sistematicamente fechados pela polícia ainda nos anos 50.
A forma encontrada para o fim da discriminação diz muito
sobre a alma brasileira: quando brancos de classe média, com
conhecimento do Espiritismo, ingressaram nos terreiros, a nuvem de
preconceito rapidamente se dissipou.
A Umbanda é um caso exemplar dessas transformações da
religiosidade brasileira. Mesclando os principais ensinamentos do
Espiritismo com o ritualismo e a força teatral do Candomblé, a Umbanda
fez com que o preconceito contra práticas africanas – no idioma da
discriminação, todas as religiões negras são “macumba” – fosse
diminuindo com o passar dos anos graças à freqüência de um público de
maior poder aquisitivo.
Paradoxalmente, no momento em que a Igreja parou de
discriminar outras crenças, incorporando elementos africanos e
indígenas, as igrejas neopentecostais – ou evangélicas – desestimulam
seus fiéis à prática do sincretismo. Associam-no à prática de satanismo.
Frases
O “passe” é um dos elementos mais fortes do Espiritismo.
Durante a sessão, o médium transmitiria a outras pessoas forças
consideradas benéficas para sua saúde física e espiritual
A leitura dos livros básicos do Espiritismo é uma das exigências da religião iniciada por Allan Kardec
Kardec chegou a estudar Medicina, mas logo perdeu o interesse pelo mundo concreto
Nos primórdios do Espiritismo, a Igreja Católica queimava os livros de Kardec nas praças
O mundo dos espíritos – a alma de pessoas que morreram –
comunica-se com os vivos por meio do pensamento e de textos
psicografados
Alguns espíritos considerados mais evoluídos transmitiriam
ensinamentos e contariam histórias através da psicografia. Somente Chico
Xavier, que teria incorporado Emmanuel, publicou mais de 400 livros
No Brasil, grande parte dos conflitos religiosos foram amenizados pelo sincretismo
Os espíritas acreditam que um copo d’água como este pode ser energizado durante as sessões
Para saber mais
Na livraria
Espiritismo, Eduardo Araia, Ática, São Paulo, 1996
Guia de Religiões Populares do Brasil, Eneida D. Gaspar, Pallas, Rio de Janeiro, 2002
O Que é Espiritismo, Allan Kardec, Instituto de Difusão Espirita, Araras, 1990
A Realidade Social das Religiões no Brasil, Antônio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi, Hucitec, São Paulo, 1996
A Magia, Antônio Flávio Pierucci, Publifolha, São Paulo, 2001
Na Internet
Federação Espírita do Brasil